VÍTIMA DE BULLYING, ALUNA É OBRIGADA A ABANDONAR A ESCOLA EM CAPITÃO ENÉAS
Garota de 15 anos agora é chamada pelos colegas de louca e de drogada.
|
Mãe da menor K.P - Vítima de bullying na escola |
O assédio dos colegas e a conduta adotada pela direção de uma escola estadual impedem, há quase quatro meses, que uma adolescente de 15 anos frequente as aulas. Humilhada com as brincadeiras dos colegas diante das crises frequentes de desmaios que passou a ter desde o fim do ano passado, K.P. parou de ir à escola.
A gota d’água, segundo a mãe da garota, a lavadeira Nair Pereira Martins, 43, aconteceu em fevereiro último, quando, depois de mais uma crise, ela teria sido orientada pela direção do colégio a não levar mais a adolescente à escola. O caso virou notícia em Capitão Enéas, cidade de pouco mais de 15 mil habitantes no Norte de Minas. A direção da Escola Estadual Norte Mineira nega a acusação e diz desconhecer o bullying.
Atualmente, a garota tenta acompanhar o conteúdo escolar com a ajuda da única amiga que lhe restou. “Ela (colega) vem aqui. Eu tenho os livros e ela me fala um pouco do conteúdo. Foi a única pessoa que não se afastou de mim. Ela tenta me ajudar, mas não vou conseguir avançar sem o auxílio de professores”, diz K.P., chorando.
Vinda de uma família simples, a estudante foi ao colégio pela última vez no dia 28 de fevereiro, quando, em mais uma crise, desmaiou na frente dos colegas, no intervalo das aulas. Os médicos ainda não descobriram as causas dos desmaios. K.P está afastada do colégio por orientação médica. “Pedi ao médico um atestado para que ela saísse de lá por um tempo. Fiz isso porque a direção me disse que o problema era meu, e não deles. O problema é que alguns alunos passam em frente a nossa casa e continuam a ofendê-la”.
A menina conta que, desde que passou a sofrer com o problema, tem, em média, duas crises por semana. Em vez do apoio dos colegas, diz, virou alvo de chacotas. “Eles a chamam de louca, de drogada e alguns dizem que o que ela tem é contagioso. Minha filha ficou isolada e seus desmaios só aumentaram com isso”, diz a mãe. “O que sabíamos é que ela está com um problema de saúde e tem atestado para isso”, disse o vice-diretor do colégio, Renerson Ricardo.
Na última crise, apenas uma colega teria ficado ao lado de K.P e não havia professor na sala. “Ela estava caída no chão e com uma amiga do seu lado, sem professor. Os outros alunos a chamavam de bela adormecida e alguns até diziam que iriam dar um beijo nela para ver se ela acordava”, contou a costureira Carla Souza, 27, amiga da família.
Revoltada com a situação, a mãe da menor procurou a polícia e registrou um boletim de ocorrência, na qual relatou a discriminação. “Não consigo acreditar até hoje como pessoas podem zombar desse jeito. Minha filha está com um problema de saúde, mas é uma menina estudiosa e que trata todos com respeito”.
A Crise não impede a menor de estudar, diz médico
Mesmo sem causa definida, os desmaios da adolescente não interferem em sua vida escolar, desde que ela seja acompanhada no colégio. “Ela não está saudável, mas com o apoio da escola pode assistir às aulas. É preciso muito apoio nessa hora. Ela não pode ficar isolada”, afirmou o médico que acompanha a adolescente, o neurologista Ronaldo Urias Mendonça.
Ele explicou ainda que é preciso realizar novos exames para identificar a causa das crises. “Na minha opinião, pode ser uma epilepsia por contração tônica, em que o paciente perde a força e cai. É preciso analisar mais, com cuidado e ouvir outros médicos para ter certeza”.
Ao contrário do que colegas dela teriam dito, o neurologista explicou que a doença não é transmissível. “Ela não pode ficar abandonada. Não se pode zombar de uma doença séria”.
As causas para esse tipo de crise, segundo a presidente da Sociedade Mineira de Neurologia, Rosamaria Peixoto Guimarães, são várias e cada caso tem que ser avaliado individualmente. “O desmaio pode significar uma infinidade de sintomas e cada um deles tem uma série de desdobramentos”. (JC)
Superintendência de ensino vai investigar o caso
A Secretaria de Estado da Educação (SEE) informou, por meio de sua assessoria, que não tinha tomado conhecimento do caso até ontem e que caberá à Superintendência Regional de Ensino (SRE) investigar a denúncia feita pela mãe da aluna.
A SEE esclareceu ainda que é contra qualquer forma de agressão, seja verbal ou física. Para a secretaria, “bullying é uma das mais dolorosas formas de discriminação que uma criança ou adolescente pode ter”. Segundo a SEE, a orientação repassada para os diretores é que em qualquer denúncia de bullying haja investigação e uma campanha de conscientização com os alunos. A Polícia Civil informou que está investigando o caso e que todos os envolvidos serão ouvidos na delegacia da vizinha Francisco Sá. (JC)
“Eles me chamam de louca, drogada e de nomes ruins.” Aluna vítima de bullying.
ENTREVISTA:
Quando essa situação começou?
Desde o fim do ano passado, quando comecei a desmaiar. Algumas pessoas achavam que eu estava inventando, inclusive professores também. É tudo muito ruim porque isso dura até hoje, quando me gritam aqui, em frente a minha casa.
O que eles falam ou fazem?
Eles me chamam de louca, drogada e de todos os nomes ruins possíveis. É muito triste porque eu não sou nada disso. Eu só preciso tratar do meu problema.
Como você reage a isso?
Fico muito nervosa, choro e até teve situações em que desmaiei. Às vezes, me pergunto que culpa eu tenho por me fazerem isso. Fui escolhida para quê! Para eles, sou uma pessoa de outro mundo.
E o que você espera agora?
Que a justiça seja feita. O que mais quero é ter uma vida normal e voltar a estudar. Quero que as pessoas me tratem com pelo menos dignidade.
Qual curso você pretende fazer?
Meu sonho é poder, quem sabe, estudar medicina. Assim, eu poderia entender melhor o que aconteceu comigo. (JC)
“Ela sempre foi uma boa aluna”
A mãe da aluna diz que a estudante está sendo alvo de bullying e a escola não fez nada.
Já começamos a conversar com os alunos sobre o caso. A gente não tinha conhecimento disso. O que sei é que ela é uma boa aluna e muito inteligente. Vamos prosseguir as conversas para ver se achamos algo de concreto.
E a versão de que a escola orientou que a aluna só fosse ao colégio em dias de prova?
Desconheço. Durante o afastamento, os professores ficaram incumbidos de passar os exercícios. O que posso dizer é que iremos esclarecer tudo. (JC)
Pablo de Melo
pablo-labs@hotmail.com